Riso reparador

Repare na dor. Faça a reparação da dor. Como tratar desse tema pelo humor? Esse é o desafio. Hoje, o humor permite termos a consciência de mudar o olhar sobre temas que inclusive o próprio humor usou – e infelizmente ainda usa – para reafirmar preconceitos. Tem sido comum comediantes defenderem sua mediocridade afirmando que um ato violento que expressa racismo, sexismo, machismo, homofobia, fascismo e uma série outras atrocidades, seja restrita a seu chavão: “era apenas uma piada”.

Não. Uma piada não pode se reduzir à defesa de crimes. O humor pode ser transformador. E mais. O humor, se toma o lado que quem é oprimido, se muda o ângulo do olhar, se exprime novas perspectivas da linguagem, pode se tornar reparador. Principalmente, porque transita pela alegria e pelo prazer, dando oportunidade de, senão sanar, colocar a dor no lugar de enfretamento que despreza o agente responsável por essa dor e celebra um novo momento histórico.
A palhaçaria tem sido uma vanguarda na abordagem desse tema na relação com o sentido público das artes. As mulheres palhaças tomaram a frente com espetáculos, mostras e festivais que se contrapõem ao presente machismo dos palhaços, recolocando a figura do arquétipo em outro lugar, revelando sua potência transformadora.

O movimento negro vem expondo o apagamento histórico de ícones que construíram a arte do palhaço brasileira, como o famoso Benjamin de Oliveira e o esquecido Eduardo das Neves. Mas, principalmente, retomando o protagonismo da cena e tratando dos temas que lhe são caros pelo olhar da diversão profunda, que busca a alegria sem querer a alienação.

Mais recentemente as causas LGBTQUIA+ entram no universo circense, que historicamente apesar do ambiente machista, contraditoriamente, sempre foi a casa da diversidade. Espetáculos e números que tratam dessa tema estão tomando força e unindo artistas na busca de uma representatividade e expressão no campo do humor e, em especial, no universo circense.

A partir desse cenário contemporâneo que pensamos essa quinta Palhaçada Geral. Celebrar a arte, promover o encontro dos palhaços, palhaças e palhaces, dividir a cena com outra vertentes do humor, fazer conexões com as expressões de rua, faz desse momento algo especial para nós, dos Parlapatões, em busca dessas reparações necessárias. Sem perder a graça jamais, queremos que o riso esteja a favor das mudanças sociais e políticas essenciais.

Depois de duas pandemias, a da Covid e a do fascismo no poder central de nosso país, estamos retomando o significativo e importante valor da Cultura, antes criminalizada, para recolocar o pensamento no devido lugar, atentos à ameaças constantes que ainda teremos que enfrentar.

Que a arte da palhaçaria sentido nessa reparação!

Hugo Possolo
Parlapatões